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12 mai 2019

O arquipélago das fronteiras

Citando Henry David Thoreau, Edward Abbey via na fronteira "este país esquecido, onde homens e mulheres vivem com, pela e para a terra, em comunidades de entreajuda organizadas num espírito de independência, magnanimidade e confiança[1]".

Acontece que durante a sua permanência no Alasca nos anos de 1980, Abbey lamentou não ter encontrado essa fronteira, mas uma região se transformou num "bairro de lata de alta tecnologia".
Ele denunciava aqueles que depois de eliminar ou deportar e confinar os primeiros ocupantes indígenas, engordavam no dorso da natureza selvagem submetidaexploração industrial " a maioria parece, ou pelo menos a maioria barulhenta e poderosa, está aqui para o lucro. Para muito dinheiro ".

Hoje, em todo o mundo, a "ecologia positiva", brandida por políticos "barulhentos e poderosos", é acompanhada pela imagem duma natureza assética, explorada e administrada.
Este paradigma impõe uma visão materialista e utilitária da Natureza, sujeitaexploração industrial de alta tecnologia, sob pretexto de interesses económicos.

Positivo, positivismo, positivista: lembremo-nos...

Na segunda metade do século XIX, a "antropologia positivista" estava em desenvolvimento na França e em Itália. Esta ciência estudava as populações indígenas de todos os continentes. Baseava a sua abordagem na antropometria, em relatos espetaculares de exploradores dos séculos anteriores e nas prioridades socioculturais. Ela serviu como garantia científica para uma verdadeira "fábrica do Ser inferior", para zoológicos humanos, para expansões coloniais...

Na mesma linha, a antropologia positivista italiana identificava na população do Mezzogiorno os estigmas (preguiça, criminalidade, falta de indústria, portanto, falta de inteligência...) que o seu homólogo francês, identificava entre os povos indígenas de África, das Américas e da Austrália.
Isso levouestigmatização do italiano do sul e à exacerbação da "questão meridional" que tinha sido posta em evidência pela unificação do país nos anos de 1860.

Assim como toda a humanidade era estranhaantropologia positivista, a Natureza e a relação entre o Humano e a Natureza são excluídas da "ecologia positiva". A complexidade do Humano e do Vivo é ignorada, em favor de conclusões simplistas e a priori.

Em Itália, Turim, existe hoje um museu[2] que destaca o erro científico da antropologia positivista.

A ecologia positiva e seus defensores, herdeiros do impasse positivista encerrado há um século, também poderão ter direito ao seu museu daqui a uma ou duas gerações.

No início do século XX, Aldo Leopold, engenheiro florestal e ecologista americano, observou e analisou o perigo a que a natureza e a vida selvagem estavam expostas pelas práticas agrícolas e industriais da época. Ele lançou as bases para a proteção dos espaços naturais, que tiveram como seguimento a criação de Parques Nacionais nos EUA e em todo o mundo. Ele contribuiu para o surgimento do paradigma científico moderno, reconhecendo a complexidade da vida.

                                                                                                          Foto Guy Taliercio

Entendemos agora que a preservação da natureza e dos povos indígenas no seu ambiente de vida integral está estritamente ligada e são essenciais para nossa própria sobrevivência. Esse é o caso, por exemplo, dos povos autóctones das Américas, cujo futuro está intimamente ligado ao de seu ambiente natural.

Resiliência, Resistência, "RESTANZA - RESISTÊNCIA" no Cilento Italiano, e noutros lugares...!

Em todo o mundo as populações indígenas reclamam seus direitos, tomam-nos quando podem e auto-organizam-se para viver no ambiente que os viu nascer, onde seus antepassados viveram, com sua linguagem, seus rituais, construindo uma modernidade que não lhes seja imposta por imperativos económicos, predatórios ou por políticas imbecis.

Noutro lugar, simplesmente escolhemos estar juntos.

Todos estes povoavam as fronteiras do Abbey e Thoreau, "onde homens e mulheres vivem com, pela e para a terra, as comunidades de autoajuda alicerçadas num espírito de independência, magnanimidade e confiança. "

No mundo complexo das minorias, as fronteiras já não são linhas de demarcação, são os espaços onde as pessoas falam pelo menos dois idiomas, um que não exclui quem chega e parte e outro que dá as boas-vindas aqueles que se querem juntar.

E se houver muitas fronteiras, que se elas transformem em ilhas, arquipélagos e, finalmente, continentes.

Guy Taliercio

Tradução Maria Dos Santos


[1] HD Thoreau é um filosofo, naturalista e poeta americano do seculo XIX. Edward Abbey é um escritor e ecologista americano do século XX. Referência : “Beyond the Wall. Essays from outside” Edição original USA -1984.
[2] Museu de Antropologia criminal Cesare Lombroso – Turim/Universidade de Turim “A Nova exposição tem como objetivo fornecer ao visitante os instrumentos conceptuais para compreender como e porquê esta personagem controversa formulou a teoria do atavismo criminal e quais os erros do método cientifico que conduziram à formulação duma ciência que se revelou falsa.” http://museolombroso.unito.it/index.php/it/museo/intro - consultado em 23/04/2019 às 15h28.